sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Mãe Brasileira

"Penso que o calor melhora as relações humanas. Menos roupa para prender os movimentos, menos medo de se molhar e apanhar resfriado, mais pés descalços, mais cantoria. O calor é colorido e a mãe brasileira tem esse calor.
É claro que uma mãe brasileira carrega hábitos portugueses, mesmo que não perceba. Talvez um dos mais fortes seja a constante reunião familiar na cozinha. Alimentamos as nossas crianças o tempo todo. E se o arroz com feijão é diferente do hábito português, a mania de empurrar comida nos filhos não é. Eu cresci ouvindo "tens fome?" e "já comeste?". Somos mães habituadas a andar descalças dentro e fora de casa, brincamos mais com a água, agachamos no chão, no parque fazemos bolinho de terra. Esse pé no chão, terra e água talvez seja o legado indígena. Além disso, pé no chã faz barulho, batuque na palma da mão também faz. A mãe brasileira é barulhenta. Pudera, somos também misturados por diversas africanidades. A música é um refúgio de comunicação para a mãe brasileira dizer a vida aos seus filhos; a gente canta para dar comida, canta para brincar, canta para contar história, e na hora de dormir a gente canta.
Por um lado, não criar silêncios profundos pode ser a nossa maior dificuldade. O silêncio é preciso, e faz falta. Por outro lado, a musicalidade é desenvolvida desde sempre. Criei meus miúdos com sons que povoavam os dois lados do Atlântico. E sim, sempre brincando com água. E terra. E vestindo uma mistura de cores."

Penélope Martins, mãe de 2 filhos, 9 e 13 anos, in Activa, Maio, 2015

Eu penso que "esse calor" que a Penélope refere falta às mães portuguesas, porém no restante muitas mães se reconhecerão, grosso modo, neste retrato.
Eu, em particular, adoro caminhar descalça no Verão e os meus filhos sempre foram incentivados a fazê-lo. Fazer bolinhos com terra e areia, água e folhas também foi consentido e muito praticado. Cantorias? Acho que temos uma dose boa. Talvez tenha herdado da minha avó paterna alguma forma de ser brasileira, que se reflecte assim. Mas os silêncios... são-me realmente indispensáveis enquanto pessoa, senão mesmo estruturais.