quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Brinquedos têm género?

- É meu! Dizia ele.  (Adorou o presente!)

Com o Duarte nunca pensei muito sobre o assunto, interessava-me muito mais que os brinquedos fossem lúdicos e pedagógicos, e por sorte ele nunca se sentiu naturalmente atraído pelos brinquedos ditos " de menino", como bolas ou carros. Puzzles, Lego ou outros brinquedos que ensinavam os números e as letras, abundavam cá em casa. O que ele pediu especificamente ( quando teve idade para tal ) foram os bonecos Pokémon, que coleccionou durante anos, e posteriormente os Bakugan, e outros do tipo.

Entretanto, com o nascimento da Letícia, os brinquedos, esses sim, ditos "de menina" entraram em força cá em casa. Ela revelou-se desde cedo muito ligada aos brinquedos do seu género, ainda que tenha manifestado o gosto pelas bonecas tardiamente. Mas gostava de coisas cor de rosa, de cozinhas, comidas, e toda a parafernália que reproduz uma casa. E posteriormente brinquedos ligados à Clínica Veterinária e Infantário. 
Como a diferença de idades entre os dois é de apenas 18 meses, eles acabaram por brincar com os brinquedos de um e do outro, numa troca saudável, que em abono da verdade, oscilou sempre mais para os brinquedos do Duarte.

No verão, tivemos cá em casa o meu afilhado e surpreendentemente ( e porquê surpreendentemente?!), de todos os brinquedos que existem aqui, e são imensos, o que o cativou mais a ponto de não o largar foi um carrinho de bonecas com um bebé. Fartou-se de o passear, e carregar para cima e para baixo. Deixava-o alguns momentos mas voltava sempre a pegar nele para continuar a brincar. Estava encantado!

Esse momento para mim foi revelador. O aniversário dele aproximava-se e eu não tinha ideia do que lhe oferecer; porém, apesar da abundância de brinquedos, o meu afilhado, tinha apenas como seria de esperar, brinquedos do seu género. Não tinha carrinho de passeio e boneca.

As mulheres queixam-se de que os maridos não partilham das tarefas domésticas, não tratam dos filhos, sobretudo quando são bebés, e isto tem uma razão que começa aqui, na brincadeira. Porque não podemos brincar com os mesmos brinquedos se no futuro se espera que todos desempenhemos as mesmas tarefas?

Ilógico? Talvez isso tenha feito sentido no passado em que as actividades estavam muito definidas pelo género, mas já não é o caso.
Há cada vez mais pais que reclamam licença de paternidade, pais homossexuais, e pais que são mais activos no cuidar dos filhos, devido a diversas razões. E pais que partilham essa tarefa com as mães, de igual para igual. Por conseguinte, essa tarefa, assim como outras tarefas domésticas, rompeu com o limite de género.

As brincadeiras que ensinamos e promovemos para além de pretenderem ser divertidas e manterem as crianças entretidas, destinam-se também a ensinar; a mimética da brincadeira repercutirá na idade adulta. O que acontece actualmente é um desajuste entre as duas.

Os fabricantes de brinquedos ainda não tomaram essa noção, e por isso continuam a rotular as embalagens dos seus brinquedos com fotos de meninas a segurar "bebés" nos seus braços, e a empurrar o carrinho de passeio. Isto estigmatiza a ideia de brincadeira, e cria limites para os meninos que também querem brincar com "bebés" e passeá-los nos carrinhos. Muitas crianças ficam frustradas porque os pais se negam  a adquiri-los sob pretexto de não serem do seu género; com receio de ouvirem piadas, ou promoverem uma tendência sexual  anti-natura. Assim como nas embalagens de brinquedos de menino, não se costuma ver meninas; há uma separação clara de brinquedos e por isso etiquetamos frequentemente quem não encaixa dentro das fronteiras do género. Uma menina que gosta de jogar à bola ? É Maria-Rapaz.

Obviamente eu não acredito em nada disto. Creio muito mais na liberdade de escolha, no acesso livre a todo o tipo de brinquedos, na promoção de brincadeiras pedagógicas livres de rótulos. Acredito que isso faz as crianças mais felizes e que um dia se tornarão adultos descomplexados e bem resolvidos.

A sociedade necessita de mudar em muitos aspectos, mas neste da brincadeira por géneros, parece-me que é urgente alterar esta noção tão arcaica. Está completamente fora de moda!