quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Cidade e as Serras - De Paris a Tormes

- A localização é complicada, uso de GPS é altamente aconselhado!
- Que "porcaria" é essa que estás a ler? Devias era ler um livro a sério, como " A cidade e as Serras", de Eça de Queirós; isso é que é literatura!
Eu devia ter uns treze anos, e quem me fez este reparo, foi o meu pai. De seguida, relatou-me por alto a história, do romance de Eça, e seu preferido, e disse-me que o tínhamos em casa. 

Não me recordo que livro lia na época - por isso era definitivamente uma porcaria- porque me lembro que segui a recomendação, e gostei imenso. Tanto que nunca mais parei de ler os clássicos. Por conseguinte, a vontade que tinha de visitar Tormes era enorme, um desejo adiado mas há longo tempo acalentado.
Foi uma visita em família, e para quem ainda se espanta com  estes passeios, que envolvem crianças pequenas, só tenho a dizer que foi um sucesso, devido a um pequeno detalhe - no trajecto, fiz um resumo da história aos meus filhos. Que criança não gosta de histórias?!

Em breves linhas. Jacinto, de origem portuguesa, mas nascido e criado em Paris, vivendo num palacete nos Campos Elíseos, levando uma vida de príncipe, vê-se na contingência de regressar a Portugal, fazendo-se acompanhar do seu amigo Zé Fernandes. Envia uma carta aos caseiros da sua quinta de Tormes, avisando da sua chegada, que no entanto se extravia e por isso, quando finalmente chega ao seu destino, os caseiros estão totalmente despreparados. Jacinto fica chocado com o solar de família, que acha horrendo, e em muito mau estado. Porém, a caseira em grande azáfama, apressa-se a preparar o almoço, apresentando ao desconfiado senhor, uma canja divinal, um arroz de favas de morrer e chorar por mais, e um frango assado no espeto do outro mundo! 
Apesar desta inesperada surpresa Jacinto deseja partir de Tormes, o mais depressa possível, e voltar para a "civilização". Todavia, as peripéicas vão-se sucedendo, e retendo o nosso protagonista na serra, à qual ele se vai rendendo. 
- As três únicas peças que restaram do tempo de Eça, mencionadas no romance.
E para si, mais não conto! Leia o livro, infinitamente superior ao meu possível resumo. 

Deste modo, sentimo-nos um pouco como Jacinto, vindos há poucos dias de Paris, uma cidade cosmopolita e barulhenta, em contraste com esta pequena aldeia, onde o som do silêncio faz zoar os ouvidos. Onde os prédios deram lugar às árvores, onde os raros turistas são os únicos a passar nas estradas. 
- Cozinha original. Com aroma!
Tal como a Jacinto,  ninguém nos esperava, mas ao contrário dele, não tivemos uma caseira apressada, a preparar-nos um almoço principesco, apesar do aroma delicioso que vinha da cozinha. 
- A capela data do mesmo ano da casa, 1596, mantém-se inalterada.
A visita guiada é excelente, conduzida através de uma parte pública, e outra semi-privada, porque este solar continua habitado, pela viúva de um neto do escritor, que tivemos o prazer de conhecer. Estes descendentes de Eça tiveram  a feliz ideia de transformar a propriedade familiar numa Fundação, partilhando deste modo, com quem desejar, uma parte da vida do escritor. 
A generosidade de pessoas assim deixa-me sempre muito perplexa e grata. 

"A cidade e as serras" foi escrito em Tormes, propriedade que Eça herda através da mulher, Emília de Castro, filha dos condes de Resende, e à qual este se desloca, desde Paris, onde vivia, exercendo as funções de cônsul. As peripécias iniciais do romance, relatam a experiência do escritor, ao chegar a Tormes, sem ser esperado, a constatação do mau estado da casa, a primeira refeição que aí comeu. Tudo isso lhe inspirou a criação de Jacinto. 

Para mim, é um hino à simplicidade da vida campestre, um elogio ao silêncio e paz, que perduram até hoje. 

Prepare a sua viagem e visita aqui
Saiba mais sobre Eça, aqui
Inspire-se sobre o Caminho de Jacinto, aqui.

Li, vi e ouvi, e recomendo!

Até breve.